domingo, 21 de septiembre de 2008

As paredes de Miró


Entrei nas entranhas de Miró. Invadi seu espaço, vi sua roupa de trabalho (macacões cheios de tintas), sua sujeira, suas telas inacabadas, as ferramentas que usava para ferir o metal que deixava marcado o papel.

Vi sua agonia rabiscada nas paredes. Suas escadas, seus bonecos vodoos, as fotos pregadas nas portas, seus peixes quase mortos. Vi as teias de aranha de Miró, suas tintas secas, seus jornais amarelados. Me sentei com Miró no seu jardim de pinhos secos, de frutas duras e ásperas, para lermos seus jornais amarelados, depois pintamos sobre eles.



Antes de entrar no mundo Miró, achava feliz suas estrelas, céus e constelações, passarinhos. Achava que vivia numa Mallorca feliz, essa ilha dos sonhos. Mas depois que cheguei muita coisa mudou em mim e em Miró. Ele descubriu que o impacto da tinta preta sobre o papel gelo é maior que suas cores felizes. Destruiu muitas pinturas e desenhos por isso. Passou a desenhar mais que pintar - esboços, traços, rabiscos em folhas soltas, em cadernos, em papéis ásperos, em telas queimadas, em tapetes do século XIX, em paredes brancas, sobre anúncios de jornais.


Retomar o simples era evoluir: buscar o esqueleto, o porquê, o devir, o mais difícil. Nos anos 60, Miró cresceu e fez o que toda a gente que cresce faz: desenhos de menino.

Decidi ter um caderno de desenhos. Livre das pautas.

Saraghina, Saraghina ! a rumba... a rumba!

(Eddra Gale, Barbara Steele e Fellini nas filmagens de 8 1/2)

Tenho um pouco mais desvendado o personagem fascinante de Saraghina. Desde que vi sua rumba pela primeira vez, foi um encanto: a ironía do grotesco, o cômico da sua sensualidade, a música ótima que não tenho certeza se é de Nino Rota, mas tenho certeza já ouvi citada em meio a alguma do Chico Buarque ( acho sinceramente que não é delírio meu). http://www.youtube.com/watch?v=cJQuZXoyc5U

Depois de um bom tempo distante do universo Fellini – explico: universo cinematográfico, película, já que na verdade é impossível distanciar-se do universo Fellini porque é a vida em si mesma (ou pelo menos a minha, impregnada por paralelismos sonho/realidade) – me deparei com uma filmografia ilustrada incrível adquirida por um preço ridículo. Resulta que a estou devorando e em meio, me são reveladas coisas sobre o meu personagem felliniano favorito: Saraghina.

“Si el mundo exterior de Guido refleja la vida profesional del cineasta, su mundo interior describe episodios de la vida personal de Fellini en su etapa infantil. La escena en que bañan a un joven Guido en vino y le preparan para acostarle está basada en un recuerdo de la infancia, igual que el episodio de Saraghina.
La Saraghina real fue una mujer enorme y misteriosa que vivía aislada en la playa a quien un Fellini de ocho años y a sus amigos pudieron ver desnuda por una pequeña cantidad de dinero.” (p. 94, Federico Fellini – Filmografia completa, Chris Wiegand)

Eddra Gale, seu nome. Participou, depois de 8 ½, em What’s New, Pussycat? , com Peter Sellers, Somewhere in Time e Alex and the Gypsy.

Mas fico com sua rumba felliniana, definitivamente.